quarta-feira, 4 de abril de 2012

A mística do Teólogo

O termo Místico é dançar com Deus.
O PENSAR TEOLÓGICO
Prof. Silas - Foi meu professor no 1º e 2º de Teologia.
Por Silas Barbosa Dias

“O teólogo é alguém que fala de Deus, na presença de Deus e para a glória de Deus. Pela Igreja, na Igreja e para a Igreja” (A.Godoy Sobrinho).
“A Dogmática é a ciência com a qual a Igreja se dá razão a si mesma do conteúdo de sua pregação, segundo o correspondente grau de seus conhecimentos: e o faz criticamente, ou melhor dizendo, conforme a medida das Escrituras Sagradas e das diretrizes de suas confissões de fé”. (Karl Barth.Esbozo de Dogmática. P.15.)

Nossa questão é a seguinte: O que é o pensar Teologico?

Nesta introdução à esta disciplina teológica, vamos juntos refletir sobre a seguinte tentativa de definição:
“Teologia sistemática é a reflexão que se dá na comunidade da fé, sobre a experiência original e atual desta fé, em relação com a comunidade geral dos seres humanos, no contexto da missão de Deus no mundo”.

Introdução
Os Pais da Igreja, nos primeiros séculos, diziam que a teologia possui duas perspectivas de visão, uma para frente e outra para trás, Theologia ante et retro oculata. Com o olhar para trás enxergava o passado de onde irrompeu historicamente a presença reveladora, salvadora e restauradora de Deus. Olha para os textos das Escrituras e para os grandes textos dos Concílios eclesiásticos. Olhando para frente a teologia percebe o presente, detectando os desafios que a realidade socio-cultural, onde deve articular a fé com fidelidade aos propósitos de Deus, expandindo caminhos de esperança.

1.TEOLOGIA:
 Teos – que significa divindade, e logos – palavra, dito, razão.
Um Deus que se revelou em Jesus, e de outro lado, um homem que tem a capacidade racional, a quem a revelação se dirige.
Assim a teologia tem o caráter relacional. Toda grande teologia da Igreja Cristã há de ser datada, feita em determinado contexto e dirigida a certos tipos concretos de homens.
Michael Schamus, disse que o vocábulo teologia significa “razão ou discursos sobre a divindade”, mas parece que foram Clemente de Alexandria e Orígines que entenderam, assim, também  Santo Agostinho.
Este termo entra definitivamente na igreja a partir de Eusébio de Cesaréia (260-341)
.
2. SISTEMÁTICA:
 Até ha pouco tempo usavamos  em nossos seminários a palavra “dogmática”, que já caiu em descrédito, por querer encerrar a reflexão teológica nos dogmas proclamados pela autoridade eclesiástica. (Embora Karl Barth manteve com relativa liberdade, em sua obra – que leva o nome de Dogmática Eclesiástica).
Dogma do grego significa opinião ou crença. Também decreto público ou ordenança. No decorrer da história da igreja, por causa das ameaças das heresias, vieram as proclamações dos dogmas.
(Heresia é uma doutrina surgida dentro da igreja, que dá ênfase a um só aspecto da verdade em detrimento dos demais aspectos).
Prefiro ainda a palavra Sistemática, que desde o original grego, significa um todo composto de diferentes partes – conjunto de partes coordenadas entre si; reunião de proposições ou princípios que formem um corpo de doutrinas.
É claro que também há inconvenientes, pois somos incapazes de abranger todas as facetas da verdade. (Tudo depende das preferências e capacidades intelectuais do teólogo).
Não vivemos mais na idade média, onde a aspiração era a confecção de uma Suma Teológica. A Suma era uma tentativa de tudo dizer sobre tudo.
A Teologia Cristã, porque procede de um todo coerente, que é a fé cristã, é basicamente sistemática. Não queremos com isto, significar  que fica  encerrado num só assunto ou tema, o que queremos dizer, é que aquilo que se afirma sobre Deus Pai afeta de certa forma, o que vamos dizer sobre o Reino de Deus e a história. Cada fragmento teológico – disse Paul Tillich – carrega em si todo um sistema.
A idéia ou noção de sistema claramente visível nos credos tradicionais da igreja (Niceno, etc.)
A teologia cristã é então por natureza, sistemática. Teologia é logos, e logos é sistemático.
Que fique bem claro: A elaboração metódica é fundamental e vital para a vida da igreja.

3.REFLEXÃO:
A elaboração teológica é resultado da reflexão.
Que é reflexão? – “Consideração atenta, meditação séria, raciocínio, aplicação do entendimento, ponderação, observação, comentário”.
Queremos com isto afirmar que toda obra teológica é de caráter pessoal. Posto que meditação séria se dá no interior do indivíduo. A rigor a igreja não tem uma teologia oficial, mas apenas teólogos, que refletem com liberdade criadora. Por isto há progresso teológico.
Reflexão conduz à interpretação. Interpretar significa explicar, comentar alguma coisa.
A reflexão verdadeira é a que culmina em interpretação.
Disse Macquarrie( do Union Seminary of New York): “A teologia pretende expressar o conteúdo de sua fé particular na linguagem mais clara e coerente possível”. -  Diz mais – “é provável  que muitas vezes ao longo do caminho a teologia enfrente algo que escapa a compreensão ou mesmo a sobrepuja, mas jamais abandonará seu alvo de atingir o mais alto grau possível de inteligibilidade” (Priciples of Christian Theology).

4. QUE SE DÁ NA COMUNIDADE DA FÉ:
A reflexão que é pessoal, não é individualista. Ela acontece num lugar próprio. Tem morada. A atividade teológica se dá no interior do corpo de Jesus – a Igreja.
Sua reflexão se insere no movimento histórico dessa comunidade.
Entra em relação com a tradição teológica do passado e se relaciona com os últimos resultados de todo diálogo teológico e cultural do presente.
É provável que muitas vezes a reflexão esteja dentro da linha de pensamento do passado, e que certas posições do passado podem ser repensadas e “traduzidas” para hoje.
A verdadeira atitude teológica nutre-se não só da situação vigente, mas ambém da história do pensamento teológico em geral.
Todo teólogo precisa voltar-se constantemente aos grandes clássicos da teologia da Igreja, não só para se integrar na comunidade teológica, mas também para desenvolver em si, as potencialidades do verdadeiro labor teológico.
A altitude teológica só floresce no meio dessa comunidade teológica onde o diálogo, em última análise não reconhece fronteiras de tempo ou de lugar. E é só inserido nessa comunidade que o teólogo poderá falar de vida.
Os teólogos são tentados a falar como se estivessem fora da igreja. Toda crítica que não resulta de participação sofrida e de envolvimentos no objeto da crítica, não é digna da verdadeira teologia.
A crítica do teólogo que busca a reforma da Igreja e a renovação da sua linguagem irrompe de seu amor pela Igreja e pelo evangelho que ele quer proclamar.
Sua palavra torna-se pronunciamento social, surge de dentro da vida de um povo, mas não perde sua individualidade. Sua vocação é de falar pelo povo de Deus, deve falar também contra esse povo. Nesse caso profere sua palavra a partir dos fundamentos da tradição. Não profere desde um vácuo histórico.
A capacidade profética da reflexão teológica depende de sua permanência dentro da comunidade que abre ao seu julgamento.

5.SOBRE A EXPERIÊNCIA ORIGINAL E ATUAL DESSA FÉ:
Não se interessa em fazer teodicéia, não especula. Não se interessa no estudo filosófico de Deus. Não é esforço humano para alcançar Deus. Todos que tentaram depararam com o desastre da torre da Babel. O mesmo podemos dizer dos que tentaram provar ou negar Deus. Nem uns, nem os outros conseguiram entender que Deus não é objeto de nossa pesquisa e que não cabe em nossas provas a seu favor ou contra.
Porque Deus mesmo toma a iniciativa de desbaratar o esforço humano para compreende-lo. É  que compreender algo significa,  possuir, manipular, aprisionar. Muitos já tentaram fazer isto através da liturgia, doutrina, confissões. Tentaram embalar Deus, envolvendo-o numa bonita embalagem dourada. Mas Deus não se deixa prender. Ao mesmo tempo Ele se revela em Jesus de Nazaré. Essa revelação é a experiência original da fé. Revela-se conservando-se ao mesmo tempo oculto e misterioso.
A verdadeira teologia cristã, que é reflexão racional nunca é racionalista. Não pretende dizer tudo. Não busca demonstrar coisa alguma. Não quer fazer silogismos, mas se contenta com a reverência e a humildade. Fala como ora, proclama como quem canta. É uma grande janela aberta à experiência do indizivel. O teólogo é um peregrino que caminha de pés descalços.

6. EM RELAÇÃO COM A COMUNIDADE GERAL DOS SERES HUMANOS:
Um menino disse um dia: Os homens são as palavras com as quais Deus conta a sua história”.
A reflexão teológica busca assim interpretar a experiência original e atual do Deus revelado para cada situação em que se encontra o homem a quem essa revelação se faz.
Dizia Tillich de duas necessidades básicas da teologia:
 1) Declaração da verdade da mensagem cristã.
2) Interpretação dessa verdade para cada nova  geração.
Para Tillich, a teologia se movimenta entre dois polos, a verdade eterna de seu fundamento e a situação temporal, onde a verdade eterna deve ser recebida.

7. NO CONTEXTO DA MISSÃO DE DEUS NO MUNDO. (Missio Dei).
A teologia é a atividade da Igreja que se dá no interior de sua missão.
O propósito é a missão de Deus (missio Dei) no mundo. A Igreja é igreja para o mundo, o mundo é também mundo para Deus.
“A igreja é o mundo no seu estado original, e o mundo é a igreja esquecida deste estado”.
As escrituras falam do Deus que cria o mundo,  age na história dos seres humanos, e encarna pela salvação de todos.
Os grandes eventos narrados nas Escrituras não são eclesiásticos, são mundanos.
Deus se interessa pela igreja na medida em que ela faz parte do mundo e se torna veículo da missão de Deus no mundo.


 E.Schillebeeckx. História Humana”. p.21
2006 - UniFil